21/06/2018

Quem compartilha também comete crime, afirma Professor Moisés Cardoso, especialista em mídias digitais sobre vídeo de assédio na Copa do Mundo

Por Gabriel Lima
Publicado no Jornal Diário Catarinense 

brasileiros assediam mulher na Rússia na Copa do Mundo

Com o pedido de investigação do Ministério Público e a petição de uma jurista russa, o vídeo em que brasileiros cantam músicas ofensivas e assediam uma mulher na Rússia continua a repercutir pelo mundo. Porém, antes de gerar revolta nas redes sociais, não era difícil encontrar pessoas que compartilharam o conteúdo em grupos de WhatsApp rindo e usando termos como "mitaram" para se referir positivamente à atitude.

"O que as pessoas não levam em consideração é que quem compartilha também comete crime. É a mesma lógica de um pedófilo, por exemplo, que é punido após compartilhar aquilo em um grupo fechado: quem repassa esse tipo de conteúdo é conivente com a ação. Claro que são pesos e crimes diferentes, mas a sua participação no ato é a mesma. No ambiente digital, o usuário acha que está isento disso, principalmente em grupos fechados de WhatsApp" — afirma Moisés Cardoso, Especialista em Novas Mídias, Doutorando em Comunicação e Linguagem da Universidade Tuiuti do Paraná (UTP) e professor do curso de Publicidade e Propaganda da Universidade Regional de Blumenau (FURB).

O especialista explica que essas situações ocorrem porque muitas pessoas ainda acreditam que as ações realizadas na internet não tem impacto na "vida real", enquanto uma seria continuidade da outra. Dessa forma, muitos usam o poder do suposto anonimato para revelar a sua verdadeira identidade quando estão em ambientes digitais.

"Levando em conta que muitos dormem com o celular embaixo do travesseiro, que olham a tela do aparelho em média 150 vezes por dia e que os assuntos do cotidiano são desdobramentos do que veem na web, quer dizer que nunca desconectaram do mundo virtual. Só que o usuário não compreende isso" — explica.

Os grupos fechados criam uma falsa sensação de segurança para seus membros. Porém, atualmente a Polícia Federal e o Instituto Geral de Perícias (IGP) já utilizam tecnologia que permite realizar cruzamento de dados, inclusive utilizando a geolocalização. Dessa forma, é possível saber quais pessoas compartilharam o conteúdo e onde estavam quando o fizeram, possibilitando que a polícia prenda os suspeitos.

Quem compartilha vídeos em que há ofensa ou assédio podem ser processado pelos crimes de injúria e difamação, por causar dano à imagem e a honra da pessoa exposta. Com o Marco Civil da internet, a vítima brasileira também pode solicitar ao aplicativo que remova os vídeos de links públicos e grupos privados. Porém, como esse caso ocorreu fora do território brasileiro, há divergência sobre as ações práticas que podem ser realizadas por envolver também a legislação russa.

Redes sociais potencializam repercussão de atitudes machistas.  O vídeo de assédio na Rússia divulgado nos últimos dias ocorre mesmo durante um período em que há mais denúncias e críticas sobre esse tipo de atitude. Algumas campanhas recentes contra machismo e assédio viralizaram nas redes sociais. De #BastaAoMachismo a #meuprimeiroassédio, milhares de mulheres relataram na internet algumas situações em que foram ofendidas ou abusadas.

Apesar de ainda ser uma realidade, Moisés Cardoso considera que o número de pessoas que cometem atitudes machistas é menor do que há alguns anos. A diferença é que essas atitudes têm mais repercussão do que antes, já que com as redes sociais permitem que os conteúdos alcancem um público maior do local onde ocorreram os casos de assédio.

"O meu grupo de amigos na infância, por exemplo, era machista. Mas se resumia ao bairro onde eu morava. Hoje se vê é um grupo menor de machistas, só que eles têm um megafone na mão. Esse comportamento, politicamente incorreto, tem uma repercussão maior que o da minha geração teve na infância. A mensagem é propagada numa dimensão que não tem fronteiras físicas" — analisa o especialista.

Não é surpresa, portanto, que a mesma ferramenta usada para denegrir também pode contribuir com a punição desse tipo de usuário. Além disso, o assédio utilizado na forma de brincadeira não é algo novo, já que alguns antigos programas humorísticos realizaram diversas vezes "piadas" semelhantes com estrangeiros, principalmente envolvendo mulheres.

Na avaliação do especialista, o que ocorreu neste caso foi a propagação do vídeo em ritmo mais rápido por se tratar de uma "brincadeira" que já era conhecida por muitos. Isso pode explicar o motivo de algumas pessoas terem se divertido ao assistir o conteúdo, já que costumam consumir essa forma de humor.

"Qualquer homem com o mínimo de educação não replicaria esse tipo de conteúdo. Não deve ter mãe, irmã ou mulher na família. A gente não está falando da massa. Independente da conduta pessoal de cada um e sua vida particular, estamos falando de pessoas com grau de instrução. E mostram que não replicam em seu comportamento a instrução que tiveram" — analisa.

Por fim, o especialista levanta outra questão: a dificuldade de pessoas mais velhas se adaptarem a questões de privacidade na internet. Ele explica que os nativos digitais, pessoas de até 17 anos que nasceram com a popularização do computador e do celular, têm mais facilidade em restringir o conteúdo que compartilham. A situação não é a mesma dos migrantes, termo para quem nasceu em um cenário analógico e acompanhou o avanço da tecnologia.

"Se a gente pegar a média dos envolvidos naquele vídeo, eles não são nativos digitais, são migrantes. E muitas vezes a pessoa não funciona no automático, é diferente de alguns que já têm o comportamento condicionado por essa vigilância constante. Para os migrantes esse pensamento não sai de forma automática, eles precisam parar, pensar e depois seguir adiante, por isso acabam fazendo tantos erros hoje em dia. Ainda se tem o hábito de compartilhar primeiro e depois pensar nas consequências" — finaliza Moisés.

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